
Bournemouth, Inglaterra. Fim de julho de 1926. Uma noite fria pela terra inglesa, um trabalhador do meio político está em um quarto de hotel.
Ernesto estava sentado na cama macia em seu quarto escuro de hotel e cheirava um Regius Double Corona, charuto dos raros a qual seu amigo Arturo havia lhe dado como comemoração de grande alegria, pela notícia de que iria ser pai. Há mais ou menos um mês atrás, o político viajante havia guardado o charuto dentro de sua caixinha de madeira. Ernesto guardara tal raridade em sua caixinha, e por muitas vezes havia se contentado apenas em cheirá-lo pensando “fumarei apenas em um momento especial… Ou, quando eu for para Inglaterra, o que não deve demorar.” Um momento especial nunca teve, desde que ele recebeu o charuto. Mas ao menos, finalmente seu emprego como servidor político estadual, mandaram-lhe ao Interior da Inglaterra, onde iria estar ao outro dia na Bournemouth International Centre, arena ultilizada para conferências nacionais dos principais partidos políticos britânicos. Foram só algumas semanas de análise e estudos precisos de seu supervisor, para que realmente se mostrasse a necessidade de sua incursão à trabalho. Mas Ernesto sentia-se muito estressado. “Espero estar bem mesmo amanhã. Porque minha vontade mesmo é só andar e vagar por aí, descansar minha pobre mente já tão calcinada de eventos e questões tão humanas e burocráticas…” Pensava ele. Ao chão do seu quarto e aos seus pés, vários palitos de fósforo queimado jaziam, onde, com o esfarelado de pó preto das cinzas indicava que haviam sido queimados poucas horas antes. Ele em mais uma de suas obsessões agudas de pensamentos aleatórios, imaginava já havia uma semana, o processo de combustão da queima do palito de fósforo. Por horas a fio e sendo principalmente a noite, invadia-lhe tais estranhos devaneios e sempre que se recolhia para algum canto em que estivesse sozinho, queimava o quanto de palitos pudesse. A mesma torrente de pensamentos recorrentes que lhe fazia rondar e rondar pelo mesmo ponto de causa reflexiva… Ia por longe em muitos devaneios, só para depois retornar ao mesmo foco de onde partira. Mas só imaginar não lhe era suficiente mais, só fechar os olhos e pensar nos detalhes não lhe satisfazia tão somente. Era necessário queimar mais e mais palitos. A luz que se formava instantaneamente ao riscar e se mantinha, a madeira que lentamente acabava-se em pó preto… Como era lindo, hipnotizante e encantador! Pensava e repensava numa espécie de loop infindável, até que outra idéia de qualquer tom mórbido lhe viesse novamente ao juízo.
Aconteceu apenas, que certa noite Ernesto resolveu sair pelas ruas absorvidas de uma longa mudez, de Bournemouth. Fechou a porta de seu apartamento e desceu as escadas lentamente. O som de grilos nas caladas ruas tinham como companhia apenas as luzes dos antigos postes coloniais com seus globos de vidro iluminando de forma circular certas partes do calçamento da rua e bancos de ferro quase que imperceptíveis por aquelas horas, que ficavam na sombria escuridão das calçadas. O vento soprava leve e friamente. Ernesto sentia certa tranquilidade em si… Imaginou sentar em algum daqueles bancos com cuidado para não errar o assento já que estava bastante escuro. “Tenho a impressão de ter alguém sentado nesses bancos, que forte impressão… mas creio que não… quem estaria aí sozinho nesse breu? aposto ser mero poder da sugestão!” Em seguida, rapidamente em sua mente veio uma sequência numérica: “50° 43′ 12″ N, 1° 52′ 48″ O”. E ia aumentando em sua mente como uma voz repetitiva até que não podendo mais suportá-la sem nada dizer, em sua nova perturbação mental, começou a sussurrar os números compassadamente, um por um. Foi então que parou e disse “Ah, lembrei! É a sequência com seus segundos e minutos, que corresponde às coordenadas geográficas aqui da cidade! Vi no folheto antes mesmo de chegar aqui… É isto!” E então voltou a repetir as coordenadas para si de forma baixa enquanto finalmente, acendia seu corpulento e de textura amadeirada, Double Corona. De longe podia-se ver sua silhueta surgindo abaixo das luzes dos postes para novamente adentrar na escuridão que estava sempre em maior parte. “Não vou muito longe… Volto já para casa e vou tentar dormir! Amanhã tenho que sair cedo! Jamais irei querer cometer algum erro, amanhã a reunião é importante e preciso estar nos conformes por completo!”
Foi então que, já tendo Ernesto andado uns quatro quarteirões a frente, resolveu que iria voltar. Vinha ainda com seu charuto pela metade olhava ora para chão ora para a altura dos apartamentos escuros por onde passava. Passou novamente em frente aos bancos de ferro que desfrutavam da total e solitária escuridão da noite. Foi quando atrás de si, ouviu o alto ruído de um Amilcar amarelo escuro que se aproximava rapidamente. Ernesto olhou para trás, mas devido a ausência de luz por alí, não conseguiu certificar-se de qual automóvel era até que o mesmo parasse ao seu lado com dois condutores de cara nada amigáveis olhando para o fumante da noite.
-Ei cara!
-Eu?
-Claro! Está vendo outro esquisito aqui nessa rua e ainda por cima, fumando?
Tanto o motorista quanto o condutor no banco da frente fumavam também e de tanto exalar fumaça dentro do carro, o ar parecia está feito de grossas camadas alí
-Me desculpe senhor, não pode fumar aqui é?
– Não mesmo meu caro! Você é cego ou não sabe ler? Veja que há placas indicando que por aqui não se pode fumar! Certamente vem de fora, sim?
Ernesto olhou para os lados, e do outro lado da rua, encontrava-se uma placa bem feita em forma, mas que tinha na letra dos seus escritos uma total má formação, sendo pequenas e tortuosas. A placa quase totalmente era também envolvida pelo escuro da noite.
– Ah! Então a placa é aquela? Percebem como mal se pode ler algo nela, ou não? Meio inútil essa tentativa de vocês em avisar algo! Do que adianta uma placa tão bem feita se o que está nela mal se pode ver?
– Certeza que ele não é daqui, vem de fora! Olha o porte dele e os modos! Bournemouth não tem desses imbecis! Deve ser até um político!
– Imbecil? Eu sou servidor do Estado meu senhor, porque fala assim comigo? E devo ir a um lugar específico para fumar? Se é assim, porque fumam também? Que falso moralismo é este?
– Não… Suponho que aqui não haja esses lugares para fumar, não… Você, e só você, é que não deve fumar aqui. Temos nossas regalias por aqui e não somos estrangeiros. Na noite, pelo menos, podemos fumar tranquilamente por aqui. E sem mais indagações contestantes contra mim, pelo seu próprio bem!
Os dois desciam do carro batendo a porta fortemente.
– É verdade… Por aqui não há esses lugares… Bournemouth não tem isso! Dizia o outro policial
– Ah é? Disse Ernesto. Se não há, como irei fumar? E porquê não pode se estou na rua? Não é público? Vocês também não estão fumando?
– Cale-se! Somos da polícia! Na verdade, anteriormente já fomos informados que você é um político, procede?
– Sim, de todo modo sou. Qual o problema? Querem por favor me esclarecer logo do que se trata?
– Creio que não haja o quê ser esclarecido. Você é político e isso basta! Políticos não são bem vindos aqui! Nossa cidade é baseada numa sistemática política de conceitos anárquicos! Somos completamente intolerantes com esses tipos seu que, representam a mentira, a hipocrisia e a ganância desenfreada, que infelizmente compõe também a raça humana. A política é algo até de uma proximidade científica e deve ser manejada com certa minúcia de cautela para que assim, seja benéfico e com algum grau de certeza, convenha e conceda certas mudanças para os povos. Necessário um método de estudo longitudinal, para que venha sempre a ver de forma metódica, por anos a fio, as muitas variantes dessa cadeia que busca gerenciar as relações sociais… Mas o tal ser humano, quase sempre carrega consigo a maldição da deturpação e escândalo, de modo que o favorecimento e benevolência sejam algo utópicos, ficando quase que descartadas por inteiro. A maioria dos que tomam posse nisso, nem o conceito básico de diagnóstico e entendimento de estratégia social, têm! Conhecimento e capacidade nulos! E agora, a menos que não queira ir preso por esse vergonhoso desacato à ordem pública e autoritária além de você estar aqui, queira sumir daqui e me der esse charuto também!
– O quê? Sumir daqui? Mas eu não fiz nada meus senhores! E como assim anarquistas? Se houve todo uma averiguação do departamento de análises em que trabalho, foi até o gabinete do próprio diretor geral, coisas de dias e dias e o resultado seria esta cidade aqui mesmo? Uma reunião muito importante aqui e que devo comparecer! Eu vi escrito que era aqui! E como podem me imaginar um corrupto? Tem algum mandato contra mim ou algo do tipo? Não entendo!
– Ah é? Lhe disseram que era aqui é? Então, sinto lhe informar que você foi perfeitamente sacaneado pelo seu tal departamento! Deve ser em uma cidade próxima, quem sabe até na fronteira… Mas aqui não é, lhe garanto! Suponho que este mesmo departamento deva ter sua devida seriedade, não? Falharam com algum teor proposital quem sabe… Brincaram com você na certa! Uma viagem perdida e errada… Mas, as vezes é bom brincar um pouco mesmo, não acha?! haha
– Certeza desejaram pregar uma peça nele! Bournemouth não tem isso!
Neste momento, o homem barbado que acompanhava o tal motorista de cara fechada como quem está sempre cheio de raiva, aproximou-se em largos passos para cima de Ernesto, e com incrível habilidade que lhe conferia algo como anos de prática para que se chegasse até aquele ponto, arrancou o charuto da mão de Ernesto que ficou nervoso e com expressão atordoada sem nada entender.
– Esse charuto… O homem olhava para o charuto, levava ao nariz e cheirava fortemente com expressão sorridente. – Essa beleza de cheiro, me lembra bons tempos de minha vida! Quanta saudade de um Double Corona, por aqui não se acha desses… Disse o homem
– Lembra bons tempos a mim também, você crer? Gritou o motorista gargalhando.
O condutor que tomou o charuto, jogou ao chão seu cigarro barato que antes fumava e trocou pelo novo Double Corona que estava em seu poder.
– Muito obrigado, agora é meu!
– De repente é até nosso! Gritou novamente o motorista. Essas duas figuras que surgiram tão rapidamente na calada da noite, eram muito bem arrumados de roupas lutrosas, chapéus novos e exalando fortes perfumes que deu a Ernesto forte vontade de espirrar
– Então é assim? Me param sem mais nem menos, me ameaçam, cogitam uma acusação contra minha índole e ainda tomam algo que é de meu pertence? Com que direito meus caros?
– O direito que temos não é algo que lhe confere seu direito de saber! E isso basta!
– Misericórdia! O que é isso mesmo? Podem me acompanhar até bem alí no hotel onde estou hospedado pelo menos? O dono do local é um bom homem e já me conhece! Talvez possa esclarecer para vocês dois algo que seja de fundamental importância aqui e agora! Talvez assim, vocês me entendam e sabendo quem sou, podem retirar tudo o que dizem aí!
– Oh! Pois acho que seu conhecido e dono do albergue, também não lhe quer mais por perto! Disse o motorista com as duas mãos no bolso.
– É. Realmente nem ele quer mais você por perto. Ele errou em ter lhe aceitado por aqui como hóspede, certeza não sabia de quem se tratava. Bournemouth não quer isso!
O dono da pousada, havia jogado as duas malas pesadas de Ernesto escada abaixo, e agora estava na calçada pouco iluminada passando um espanador nelas e pondo uma do lado da outra ao pé do poste de ferro.
-Ei! Gritou Ernesto se aproximando do velho baixo da pousada, que estava de braços cruzados e um pano no ombro olhando calmamente para os três. O que esta fazendo meu senhor? Porque tirou minhas coisas para fora?
O dono da pousada deu de ombros para Ernesto e passou o pano em seu rosto suado
– Olha seu Emifesto…
– Ernesto meu senhor! E o que está havendo que minhas coisas estão sendo postas para fora?
– Sim, Ernesto. Preciso que saía daqui agora, certo? E por favor, não me venha com mais perguntas, imagino que os policiais já lhe explicaram tudo o que deviam! Tive um dia bastante cheio hoje. Sem contar que levei horas limpando o quarto em que você ficou! Qual seu problema manchando com queimaduras o chão de meu quarto? Suma!
– Olha senhor, peço desculpas… As vezes faço isso para tentar livrar-me de minhas problemáticas da ansiedade que sofro… Mas o senhor me pondo para fora agora, só me faz piorar, entende? Pretendo ficar aqui até amanhã onde tenho que realizar meus deveres profissionais. Depois pretendo, marcar uma consulta com um psiquiatra ou algum psicólogo. Depois com tempo, ainda desejaria conhecer as praias daqui, tem fama de serem tão belas…
– Haha, ouçam ele! Deseja ir a praia! Disse um dos policiais retirando o Double Corona da boca.
– Porque não? Disse Ernesto me é também proibido?
Enquanto Ernesto tentava se explicar, os dois policiais o ouviam com visível desinteresse, e bocejavam com desdém. O dono da pousada apenas se mostrava cansado mas ainda se prestava a ouvi-lo.
Nesse mesmo instante, das dezenas de bancos que ficavam no escuro antes e que pareciam totalmente abandonados nas calçadas, foram surgindo pouco a pouco, vários homens mal vestidos e cada um fumando. Todos pareciam sonolentos com seus passos arrastados, exalando a fumaça de seus charutos e cigarros baratos, enquanto conversavam baixo entre si, algo que era incompreensível para quem quer escutasse ainda que apurasse bem os ouvidos. Foram andando lentamente aproximando-se dos que conversavam em frente a pousada, e fizeram uma espécie de círculo para ouvir com ávida atenção o que alí se discutia.
– Ora essa… Os bancos não estavam vazios? Que tanto homem é esse? O que diabos vocês querem aqui? Achei que não pudesse fumar aqui! Disse Ernesto assustado, mas nenhum respondeu nada
– Bom… Eles são daqui também, tanto quanto a gente. Aposto que estão todos tão sonolentos e cansados quanto a gente, nem vou me dá o trabalho de pergunta-los… Disse o dono da pousada enquanto continuava passando seu pano no rosto – E ainda se sentirão ainda mais cansados com esse incômodo que você está gerando meu caro Ernesto! Quer fazer o favor de pegar suas malas e retirar-se daqui? Nesse mesmo instante, um dos policias retirou um cacetete e segurou firme
– Vamos meu amigo! Retire-se agora!
Nesse momento houve uma distração pois, ouviu-se um grito que veio da recepção da pousada logo alí do lado. O policial passou o charuto que antes fora de Ernesto para o dono da pousada, e este dando fortes tragadas falou
– Ah! É minha pobre sobrinha! Como sofre!
– Esta pobre coitada ainda está assim? O senhor não irá interna-la como já havia dito? Problemas mentais não se deve brincar!
– Ah eu vou sim seu policial, vou sim… Amanhã dependendo do movimento aqui irei levá-la a uma clínica, não tem mais condições de eu conseguir manter ela aqui. As vezes ela até quer agredir os meus hóspedes! Sabe o que ela deu em fazer agora? Arrancar e ingerir os próprios cabelos!
– Ui! Cruz credo! Cuide logo em internar mesmo ela! Já tentou aplicar sanguessugas nela para que haja uma renovação sanguínea?
– Sim meu senhor, até nisso já recorremos fortemente, mas o problema dela é mental… E creio que alguns dentes que ela possui e são estragados, conferem uma piora ainda maior de seu estado clínico! – O quê? O que dentes apodrecidos tem a ver com isso? – Sim sim, parece haver certa associação! Bom, pelo menos os médicos me asseguraram que tal relação pode ser bem plausível sabe… Me é de fato assustador um negócio desses! Um médico aqui próximo, me informou que já há um bezoar no estômago dela e que imediatamente ela deve passar por uma cirurgia para retirada! Mas irei tratar disso! No mais, boa noite, irei pôr ela para dormir. Ou tentar pelo menos… E desde já, me desculpem pelo incômodo causado pelo rapaz aí, eu realmente não sabia de nada sobre ele! Boa noite!
– Ora, fique tranquilo! Talvez não houvesse mesmo como saber… Certas coisas estão fora até de nossa mais afiada intuição prévia! Boa noite!
– É o quê? O que há de errado comigo? Ora essa? Pro diabo com isso vocês!
Nisso, todos os homens que haviam formado um círculo logo alí, foram se dispersando com a mesma lentidão do caminhar, devagar e sempre sussurrando entre si. Até que um a um sumiram todos na noite escura, ao mesmo rumo de onde vieram e não era mais possível ver nenhum deles. Ernesto ficou meio boquiaberto observando toda aquela estranha movimentação.
– Alguém entende o que eles querem dizer? Parecem sempre está se perguntando algo um para o outro… Ernesto perguntou baixo
– Ah! ninguém nunca entende, embora se esforce para isto… E você ainda está aqui? Apresse meu caro, suma se não quiser sofrer o pior!
– Eu ainda irei procurar saber o que houve aqui hoje, ouviram? podem acreditar! Isso não é justo! Como alguém passa pelo o que estou passando, e sofre isso sem explicações ou a menos um direito de defesa? São loucos ou o quê? Vocês que se dizem representantes da lei, como podem ser coniventes com um absurdo desses? Não deveria ser algo metódico e eu ser ouvido? Também sou gente!
– Talvez você corra a vida inteira atrás de uma resposta e nunca ache ou talvez amanhã pela manhã você já tenha esquecido todo esse episódio, de uma vez por todas, e nenhuma resposta por mais que haja e por mais elucidativa que ela seja, não irá mais lhe fazer nenhum sentindo… De modo que você nem a queira mais ainda que ela venha. Mas a nossa parte, já dissemos, trate de fazê-la!
– Sim de uma vez por todas! Disse o outro policial que agora acendia outro cigarro – Bournemouth te faz esquecer pela manhã! Tem sido assim com todos do seu tipo que tem vindo por aqui!
Ernesto então pegou suas duas malas, e olhando para os dois policiais encheu seus olhos de lágrimas, de raiva e desgosto. Foi andando até o fim da rua onde havia uma esquina. Lamentando e lastimando o que seria agora de seu destino. O que Arturo, seu supervisor geral iria lhe dizer? Lhe devia satisfações, e muitas! Como teria lhe mandado para um local errado? Não teria jurado e provado por meio de longas licitações que seria aquele mesmo? Iria ser demitido por uma justa causa ou processaria todos de seu departamento pela estúpida brincadeira? Deixariam que Ernesto ao menos se explicasse? Ao dobrar a rua, Ernesto olhou para trás e ninguém mais estava alí além da escura e vazia noite. A porta da pousada estava fechada e sendo tomada pela neblina da noite. A sensação que se tinha ao olhar para tal ambiente, era de que alí não era se quer visitado por anos e mais anos. Era tudo de um vazio horrível e um silêncio pungente. “Que estranho… Estava tão lotado ainda a pouco… Como podem ter sumido tão rápido?” Pensou. Se perguntava incessantemente o que de fato havia ocorrido para que ele tivesse recebido tais avisos e expulsões. Imaginava que a pouco tempo atrás estava tão confortável em sua cama, sendo bem tratado pelo dono de hotel… Mas agora só tinha o repetino abandono das ruas. Trovões riscaram o céu escuro anunciando alí que logo caíria uma forte chuva. Ernesto correu rápido para debaixo de uma loja onde se abrigaria logo abaixo de sua cobertura. A chuva forte que caía acentuava ainda mais o abandono iminente e brusco de Ernesto, com a lama se fazendo em sua roupa. As gotas que caíam em rapidez contínua e gelada, rapidamente já lhe faziam cair em mais um pensamento repetivo e obsessivo. “Quantas gotas há em cada poça dessas? Quantas são necessárias para preencher toda essa rua? Devo tentar a contagem? Não posso mais nem queimar meus palitos para tentar me acalmar! Nem meu belo e cheiroso charuto tenho mais, que inferno!” Dizia ele consigo. Seu corpo encolhido sentado sobre as malas, tentava achar um consolo em meio a tanto frio e a beira de cair em profunda desvaria e ser envolvido por grande aflição. Sua mente sendo povoada aos poucos por lânguidos devaneios. Iria embora para o mais longe que fosse e nunca mais pisar alí, logo pela manhã… Era necessário, lhe fora obrigado sendo engano ou brincadeira de muito mal gosto, como tantas outras coisas na vida sem mais nem menos. Como tantas outras que já lhe haviam ocorrido e que ele tentava esconder até de sí mesmo.