A bordo do Loxenloy; minha breve passagem pelos arquipélagos da América do sul.

Algum ponto do Atlântico norte, nas proximidades do arquipélago de São Pedro e São Paulo. 31 de julho de 1960, 23:00 PM.

Acordei muito cedo hoje. Na verdade, raro são os dias em que acordo mais tarde. Acordar cedo sempre me fez se sentir mais vivo, como se uma energia revitalizadora proveniente de uma fonte da juventude me inundasse. Mas não sou o único aqui a fazer isso. Na verdade quase todos aqui tem esse costume, como bons navegantes desses mares longícuos… Hoje até acordei com um belo afinado assobio próximo à proa da embarcação. Fiquei surpreso quando o comandante me chamou para visitar a câmara ontem a noite. Local reservado só para figuras ilustres ou oficiais da marinha. Devo dizer que a cozinheira Luana é por vezes muito gentil. Preparou o café do pessoal aqui e mais uma vez preparou meu chá. Traria até minha cama caso eu deixasse… Mas ela sabe que me sinto desconfortável com atitudes muito serviçais. E que lindos cabelos castanhos ela tem meu Deus! Olhos cor de mel… pela luz do sol que entra pela janelinha de vidro da cozinha do velho Loxenloy, parecem ganhar uma tonalidade ainda mais forte… Não sei, me sinto mais alegre com essas coisas pela manhã.

Bom, em pouco tempo devíamos ter chegado ao referido arquipélago que, confesso, queria muito pôr meus pés. Vislumbrar toda aquela maravilhosa beleza natural que até agora só havia visto pela tv ou fotos em jornais. Viemos pelo Chile e pegamos a costa brasileira desde seu lado sul até chegarmos aos locais de exploração. Ontem passamos pelo arquipélago da Trindade e Martim Vaz antes de prosseguirmos. Fica alguns quilômetros antes de São Pedro e São Paulo. Consegui fazer uns registros e catalogar umas espécies de crustáceos e aranhas endêmicas. É aquele paraíso de encher os olhos. Lá existe uma parte habitada, mas infelizmente não tivemos tempo de ir até as pessoas de lá. Quem sabe numa próxima. Lá tivemos a maior precaução quanto à ancoragem do navio, que ficou a uns quatrocentos metros da ilha.

Já nos rochedos de São Pedro e São Paulo, foi ancorado a uns duzentos metros de distância para evitar alguma possível tragédia de um acidente, como já ocorreu lá, por volta de 1500. Eu, John e Derick dos cabelos de trança, fomos até lá em um pequeno barco. Levamos alguns equipamentos na mochila, água, carne seca e um tipo de pão com grãos e massa de batata inglesa que é uma especialidade de Luana. E também uma pequena barraca para nos proteger do sol escaldante que fazia. Foi uma bela manhã de conversas e bem produtiva. Apesar dos meus companheiros não serem tão instruídos quanto aos assuntos científicos, sabem muito do mar e histórias distantes. Jhon montou a barraca, e Derick me ajudou também como suporte. Foi só o tempo de eu tentar catalogar alguma espécie de lá, e conseguir uma amostra do material que compõem aquelas rochas. Andei o tanto que pude por alí, sentindo o vento oceânico morno em meu corpo. Imagino como Darwin tenha se sentindo ao ter visitado aqui (Inclusive ontem a noite eu dei uma boa lida em “origem das espécies”). Confesso sentir um certo orgulho em ter estado alí onde ele também já esteve… Me encantou os muitos atobás que habitam por lá. Uma espécie de ave que lembra muito um pequenino pelicano. Lindos. E há tantos deles lá, são centenas e centenas realmente. Todos muito mansos, já que não costumam ver gente por alí. É magnífico a combinação do canto deles com o som das ondas que quebram sobre os rochedos. Experiência ímpar. Ah e sobre o material das rochas, a rocha exposta é peridotito e peridotito serpentinizado. Provavelmente originada de um megamullion tectonizado, sendo a única exposição mundial do manto abissal acima do nível do mar. Isso é com todas as palavras, algo grandioso e belo de se contemplar! Derick e Jhon que não sabiam que eu entendia um pouco sobre esse assunto de geologia, ficaram meio impressionados enquanto eu anotava tudo devidamente. Mas é um conhecimento que também me é necessário. A profundidade alí segundo nos informou o capitão, é de quatro mil metros. Fiquei sabendo também posteriormente, que o arquipélago está no processo ativo de ascensão com taxa anual de soerguimento de 1,5 mm. Algo como, daqui uns milhares de anos talvez já esteja o ponto mais alto do arquipélago, com uns trinta metros de altura. Considerando que agora deva ter lá seus quinze metros. Até onde pude ler, o arquipélago tem uma data de existência por assim dizer. Estima-se que em 50 mil anos, ele tenha sido submergido pelo extenso mar azul.

Todo o arquipélago funciona também ainda como um porto onde há grande disponibilidade de comida. Visto que, como o próprio Darwin já havia observado, existem muitas algas bem próximas e outras espécies mais complexas como, certos mariscos, moluscos e etc. Creio que o que consegui ver foi um tubarão branco ou tubarão tigre. Não tenho certeza. Galhas- preta certamente não haviam lá, são mansos de mais para competir com esses outros. Tartarugas marinhas belas de mais, tubarões- baleia sempre rondam por alí também, mas são bem mansos. Os pescadores por lá também disputam a variedade de peixes com os tubarões. Logo a região fica acima da linha do Equador onde peixes de grande tamanho passam. Ainda pude observar também que, por ter um isolamento geográfico grande, naquela área existem espécies locais que não há em nenhum outro lugar na terra. Uma espécie que vi por lá e que nunca tinha visto pessoalmente, foi o pseudo escorpião endêmico. Uma espécie muito pequena e não peçonhenta. Não resisti e trouxe um em um vidro com álcool. Todo aquele maravilhoso mar azul, nos deixava encantado… Eu ainda gostaria de considerar que, lá deveria haver um posto de base para estudos e pesquisas científicas, biológicas. Quem sabe um dia não farão… Por volta de quatro da tarde voltamos para bordo do Loxenloy sem problemas. Nossa viagem segue para Alemanha onde deverá ser marcado um próximo trabalho.

Enfim. Nossos dias são disso. Terminado essa nota vou dormir. Creio que somente eu nesse Loxenloy ainda estou acordado para variar. Em 3 dias devemos chegar à Alemanha. Ainda haveremos de passar pelo atol das Rocas amanhã e fazer uma última observação por lá também. Não vejo a hora de sentir terra firme e pegar aquele belo trem classe 10 alemão. Aquele barulho da estação me dá saudades… Aliás, não somente eu sinto saudades, mas todos os meus companheiros aqui. Chegando lá verei se tiro um tempo para fazer algum passeio afim de conhecer novas pessoas e meditar um pouco, conseguir um bom hotel… Nem só de duras pesquisas viverá o homem. Parece que começa agora uma chuva forte nessa região oceânica. Vou fechar a janelinha do quarto, mas não é ruim sentir as gotas geladas que caem em mim com a meia luz da lua.